"Bastará decir que soy Juan Pablo Castel, el pintor que mató a María Iribarne". Já na primeira frase de seu romance de estreia, Sabato revela o que houve e com quem; resta-nos seguir em busca do por quê. Só que as razões deste feminicídio são obscuras e tortuosas como o túnel em que o protagonista se sente preso desde sempre. O leitor até infere as motivações do crime, mas o criminoso jamais chega a admiti-las; por um "oscuro instinto", prefere desviar da resposta ou atribuir ao destino o fato de ter esfaqueado a amante até a morte. E se narra o que fez, não é bem para se justificar: o que busca, acima de tudo, é que alguém, uma pessoa ao menos, possa entendê-lo.
Castel é um ser dividido, contraditório: pintor famoso e incompreendido, indefeso e raivoso, misantropo e sedento de contato, misógino e à espera da mulher perfeita, que interprete a chave oculta em uma de suas telas (não por acaso intitulada "Maternidad") e venha salvá-lo da solidão extrema. A paixão de Castel e María gira justamente em torno da ideia de que existem "almas semejantes" que se atraem e se reconhecem em meio às odiosas multidões de uma cidade. Numa carta, a própria María escreve que a tela se parece às recordações de "seres como vos y yo". E assim os dois viram amantes porque se crêem complementares e distintos de todos que os cercam. Dois contra o mundo: que pode haver de mais sedutor e enganoso?
Tudo o que sabemos passa pelo filtro dos ciúmes e da paranoia de Castel. Coisas que ele constata, imagina, sonha ou suspeita: María é uma Capitu à moda argentina, que mexe com os homens a ponto de levá-los ao suicídio; é casada com um cego a quem trai e com quem se deita à base de simulações; tem um passado que termina por confessar ao amante mas do qual ele só recorda frases soltas, ambíguas, que depois viram provas da acusação que antecede o veredito. Talvez os dois fossem mesmo iguais em escuridão (numa conversa, María se define como alguém que faz mal a quem dela se aproxima) e, portanto, fadados a destruirem um ao outro. Ou talvez ela fosse apenas uma mulher lutando com os próprios demônios e que teve o azar de se envolver com um bicho confinado desde a infância na cova de si mesmo. Sabato não esclarece nada e as provas que Castel levanta contra María são sempre dúbias, circunstanciais.
Confessar um passado foi o que selou a sentença de María. Entre outros passos em falso, foi o que destruiu o encanto da idealização e rebaixou-a ao nível das mulheres de carne e osso com as quais ele nunca quis nem conseguiu se envolver. Castel passou toda a sua vida num túnel e foi numa janela desse túnel que encontrou María, presa do lado de lá, prisioneira como ele. Além do vidro, finalmente uma pessoa capaz de entendê-lo, ampará-lo, ouvi-lo; na superfície muda, quase transparente, um reflexo purificado de si mesmo, livre das baixezas naturais de todo homem. Mas ela nem sempre aparecia na janela. Às vezes, María demorava, sumia, não respondia, teimava em andar pelo próprio túnel, espiar outra janela... Em várias passagens, Castel se sente um menino perdido, ameaçado pela ausência da amante. Antes de enfiar-lhe a faca no peito, ele diz: "- Tengo que matarte. Me has dejado solo." É uma tentativa insensata ("insensato", aliás, é uma palavra gravada a fogo em sua memória) de romper o vidro que o mantém incomunicável, escapar da galeria de espelhos.
"O túnel" pode ser considerado um romance policial-existencial, já que o protagonista oscila entre a angústia de saber que a vida é fugaz e sem sentido, que todos os esforços são inúteis, e a revolta contra a humanidade, as massas, as paixões e misérias que, querendo ou não, compartilha com homens e mulheres comuns. Juan Pablo Castel é uma mistura de Édipo, Otelo e o homem do subsolo, de Dostoiévski. Alguém que nunca pára de condenar a tudo e a todos (a si mesmo, inclusive), ao mesmo tempo que se sente incompreendido, segregado do "mundo sin límites de los que no viven en túneles". Um menino que anseia pelo amor absoluto (de uma mãe) e não consegue enxergar que a condição humana é, em grande medida, feita de incertezas, zonas de sombra e incompletude.